vendredi 6 juin 2008






Contos

A samarra do tio

Este bem soa a demais.
habituado a ficar em conta,
minguando a lingua,
Galante entrou na carvoaria
e rezou para que tudo
fosse verdade.
Vestia a samarra do tio,
um presente em segunda-mao.

Era de poucas falas e nada
ou pouco desejava.
Sentiu subir o calor da tontura
consumir-lhe a carne.
Se ela viesse agora, de voz cristalina,
romper este escuro, o preto sujo nas mangas,
no colarinho, nas unhas…
E correu feito louco, lavar-se no rio.
Esfregou-se até ficar bem limpo.
Enxugou ao sol como roupa lavada
e sonhou que amava Cruz.
Esperou em vao pela noite fora
que ela viesse provar-lhe um beijo.
Ficou impar neste amar,
mas deu a volta por cima.
Desfez-se do casaco do tio,
da sua samarra.
Nunca mais olhou para a janela
do r/c onde aparecia Cruz,
sorrindo de boca aberta
e seio em alvo branco.
Mas mesmo depois de velho,
Galante guardou o peito quebrado

quando lhe passava à porta.
Cruz tinha-se vendido ao tio,
que num ataque de ciumes
a tinha jogado como um trapo,
na fogueira de carvao,
enrolada na tal samarra.
Tragédia consumida.
Lembrou-se entao de ter cozido
por dentro das algibeiras,
alguns recados amàveis e palavras
de amor e desejo.
Quando lhe falavam no drama,
Galante mordia o beiço
e escondia as unhas pretas,
mais dorido que traido.
A vergonha nao se descoze tao depressa,
pensou.
Cruzou a perna sentado ao relento
à espera da noite,
na pedra do chafariz de baixo.

Lidia martinez

Pacé, 1 de junho 2008

Aucun commentaire: