AVITAL
« Avital, vai lavar a loiça ! », e ele ia.
Estancava junto à caixa de pedra e deixava correr a àgua .
« Avital, nao gastes tanta àgua », e ele fechava a torneira.
Baralhava a espuma e o sujo e queimava as maos grossas,
amolecendo os nos.
Avital era assim, um homem do silêncio, com pés chatos
e de boca cosida.
Era cuidado e por isso o deixavam tratar dos mortos.
Nascimentos e velorios, Avital era chamado para dar a bençao
e tocar na fronte do defunto.Diziam que dava sorte fazê-lo .
Nao se sabia se era idiota ou se era de escolha ser mudo.
Também se dizia que era filho de boa gente.
Gostava de ver televisao e de noite corria todo nù pela praia.
Ouviam-se-lhe os gritos até do outro lado da costa.
Metia medo tanta dor. Os caes se escondiam debaixo
dos armàrios, os passaros ficavam loucos nas gaiolas
e os gatos enchiam as costas e espalmavam a cabeça,
miando por dentro.
Uma noite Avital nao se veio deitar no cantinho que lhe deixavam
em casa alheia. Domingo dormia no senhor Costa, na segunda-feira
ia descansar na garagem do Pau-da-Bica, e às vezes ficava na praia,
ao relento. Nao veio. A viùva do Berry, um ingles que ali ficara, acolhia-o
e deixava que ele lhe amassasse o corpo em desejos loucos.
Foi assim que lea recomeçou ater cores na cara e que o peito lhe subiu.
Avital desapareceu, na areia, no mar, nao se sabe . Nada lhe sobrou.
Um dia, na esquina da historia, alguém lançou o nome dele : « Avital ! »,
e um marunhar estranho de vozes secas de sol e de aveludado timbre,
lhes cantou uma curta tempestade, uma area bela de morrer.
Era a voz dele, afirmava a viùva, e vieram todos a correr para a praia
Ouvir aquele canto surgido do mar.
« Avital, Avital ! Anda, desejo-te…pensava a viùva do Berry,
corando até às raizes do cabelo. E foi assim, que nao podendo desobedecer
ao apelo da amante, o espectro de Avital se levantou do chao e salpicando
o povo de po e terra arenosa, foi sufocando a assistência, os amigos
e tudo que de vivo ali subsistia.
Houve depois cactos e azedas a crescerem por ali naquele deserto,
cardos também. A duna arrumou o caso.
Lidia , julho 2008
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