lundi 13 juin 2011

A Barca dos Infernos



A Barca dos infernos

Um drama singular,
uma atroz dilaceração,
um grão de arroz fendido
obliquando a face mínuscula
e opaca do desperdício.

Sobrevivemos juntos,
como um só corpo,
neste quarto de agonizante.
Sacrificio natural de um ser
desviado do sol.

Cresce-nos dentro da alma,
ao de leve,
a pena descaindo da sua asa.

Inclinando a escrita rente à pele
fica escrito pela unha,
a rima juneira e festiva.

Ficamos amplamente desconhecidos,
de olhos esguios como gatos na noite.
Respiramos sem nos vermos,
ignorando o rumo lutuoso da barca.

lm

dimanche 5 juin 2011

de coraçao aberto



De coraçao aberto

Por vezes tudo se esclarece
o corpo ausenta-se,
de maos juntas sinto passar
a palavra redonda que revela
e aquece.

Amiude, engano-me.
Distraida, ausento-me lentamente.

Mordido na sua essência,
o coraçao aberto
desliza fora do meu peito.
Quebro-me.

Refugio amargo acolhe
o meu sangue.
Devolvo a ferida ao carrasco,
de coraçao aberto.

No altar, face ao icone
a imagem impressiona o tempo
que a consome.

O meu coraçao é o que nao sou eu,
fala pela minha boca,
contém desejos,
nao tem queixumes.

Mergulho a mao na noite,
encontro a vertigem que precede o sono.
Escorrego com a aprobaçao de todos.
Nao me pertenço.

Todos me rodeiam.
Tudo vai acontecer longe daqui.
Nao sei onde me levam e vou.

Todos os apelos sao falsos.
LM

dimanche 15 mai 2011

PAROLES




PAROLES
données
entassées
poudrées
cimentées

chorégraphiées
encastrées
naturalisées,
proposées
recueillies
guérisseuses
infinies
gourmandes
coupées
peintes
urbaines
slameuses
ou pas
étrangères à nous
néologissiènes
rares
cuites
épluchées
furibondes
calmes
grosses
palmées
circonstancielles
gonflées
saccadées
philosophes
reines
couronnées
orangées
vâches

fadistas
affamées
gercées
purpurines
grenadines
Paradjanoviennes
Pessoanas à cause de Pessoa
Tsvetaionavas
à cause de Marina
à cause de Marina et de la reine morte
Lusitaines à cause moi
Tarkovkiennes à cause du Sacrifice

un peu de miroir autour et je saute par dessus l’eau.
paroles, paroles, paroles
parce qu’ infinies...je les suis.

LM

dois no chao

dois no chão
dormes como o Rei do Absoluto,
meu esquilo,
cuspo nos dedos
para te roçar depois a fronte,
benzendo-te.

esfrio nesta espera,
afasto a cortina,
aqueço-me na tua lã.

disfarçado de morto
para que te deixe,
entristeces o meu coração.

lavro as horas com o meu silêncio,
ventura melodiosa
exalta-me os sentidos,
por instinto penso :
« carne de cão »
e abocanho-te firme.
afinal o cadáver estava desfeito,
era só um esmolar de cobertores tisnados
de amores desfeitos, esfomeando-me
com o teu cheiro.
na madrugada esperançosa,
rio em mim.
LM, 2008

( publicado em dezembro 08)

PURPURINE



Purpurine



Père du vent souffle sur ma peine,
coupe d’une lame froide la pourpre désolée
de mes lèvres.
Trace le geste de la fronde, garde le bras tendu
suis la cible, ouvre et creuse le faible lit de ma raison.
Deviens eau …oh, faibles courants remplissez
le cœur d’un autre homme, adversaire imparable
de ma mélancolie.
Zéphiro, souffle au loin, reste distant, distante.
Les draps se déchirent comme des pendus
Je garde ma bouche meurtrie, elle s’ouvre gercée,
Purpurine et béante, cicatrice de la tête,
je lâche ma langue dedans, grosse, envahissante
et les mots restent brouillés, collés au palais.
Sans choix, sans courage et en abîme tout entier,
je sors par le haut en m’arrachant aux chevilles .
Ma tête se dévisse de mon corps, en tours et retours
sur l’axe. Elle ne tombe guère, mais je souffre de ma
maladie première, l’effrayant passage vers la mère.
Je prends les bras du froid, je m’entoure d’eux.
Entre leurs morts, je deviens un naufragé, l’ami du vent.
Recoupée, ciselée ma peau en fines morsures,
dentelle alourdie telle une caillasse marbrée, je m’étale.
Les yeux percés, obstrués par deux pièces de monnaie,
prix d’un passage vers l’autre rive, moi et l’autre homme,
nous n’avons qu’une tête.
Chiens des enfers, mange ma main, mon destin, fais de nous un corps divin,
entre mille chiens et un seul loup.
(extrait)

lm, 2011

clemente

clemente, o simples

Clemente saiu de casa como um anjo menor,
sem lenço.
Cantava desafinado mas feliz.
Depois era com grande sede e alivio,
que bebia sôgrego,
o espirro de agua, da fonte do jardim.
Limpava os beiços com a manga e empoleirava-se
nas grelhas velhas do coreto.
Contava até trinta e deixava-se cair, exausto.
Esfregava as calças poidas destes usos e andanças.
Era tacanho e estagnado, diziam-no simples.
Todos aqueles que lhe estendiam a mao,
eram como familia.
Empoeirado, sacudia-se, ondulava as costas
como um bicho menor.
Dizia-se entao que isso era sinal de chuva.

Lm, dezembro 07.